
“Deixa-me escrever o princípio, o meio e o fim desta nossa história de amor”. Ainda te lembras do que pedi? Pois eu prometi-me a mim mesma que o faria. Cedo de mais ou tarde o suficiente? Na verdade, não consigo responder a essa pergunta. Mas digo-te sim que estou aqui hoje para escrever aquilo que, na minha cabeça, já devia ter começado há muito tempo. Não imaginas o quão pesada é esta corrente que carrego atada em mim… São três anos amor. Três anos de espera, três anos de distância, três anos de amores e desamores. Três anos de sofrimento, três anos de surpresas, três anos de pura paixão. Três anos que nunca se esquecem… Aliás, como poderia eu os esquecer?
Mas deixa-me começar pelo início… O dia em que a minha vida mudou subitamente para dar asas a esta fantasia estonteante. O dia em que a minha vida se tornou numa luta constante para conseguir atingir a mais pequena e precisa proeza que era respirar uma lufada de ar fresco.
Foi numa linda noite de Julho. Uma brisa quente pairava sobre o campo de relva verdejante, com um aroma que denunciava ter sido acabada de cortar. As estrelas penduradas sobre os panos azulados, de um tom forte. A lua cheia, amarelada e repleta de vaidade. Aquele parecia de facto ser o cenário perfeito. Lagos, assim se chamava a linda cidade onde tive a felicidade, ou infelicidade (já nem sei) de te conhecer. Consegues recordar já um pouco?
Lembro-me de ter terminado o jantar e ouvir uma campainha que parecia soar impaciente. Eu estava a acabar de finalizar aquilo a que eu chamo habitualmente “os últimos retoques” e, por isso, a minha mãe não teve mesmo outra alternativa se não mesmo ir ver quem era.
- A Inês? Diga-lhe para ela descer. Estamos todos à espera dela. – ouviu-se do outro lado da linha.
- Ela desce já – respondeu a Sra. Idalina expectante como toda a boa mãe que sente de repente a sua filha a despertar e a sair do pequeno casulo.
A voz do outro lado era o Anderson, o rapazinho de 12 anos, brasileiro e cabelo aloirado que residia já há três anos no complexo turístico “Iberlagos”. Era como que a minha mais recente adquirição “amizade de verão”, e eu sentia-me de facto contente por ter tido a oportunidade para conhecer aquele ser. Era uma pessoa simples mas que tinha a capacidade de irradiar uma alegria extrema. Talvez por essa mesma característica ainda o tenha hoje tão presente na minha mente. Bem, mas não é sobre o Anderson que se trata este texto. De quem eu quero falar és tu.
Desci apressadamente pelas escadas ao fundo do corredor, ainda na esperança que iria chegar a horas àquele encontro. Na verdade, não haviam concretamente horas marcadas, mas aquele encontro era uma surpresa para todos nós. Até as vizinhas alemãs não quiseram perder pitada do acontecimento… Os tão falados “vizinhos do Telmo” haviam chegado! E agora que falo nele, o Telmo foi apenas o princípio para tudo... E tenho de lhe agradecer profundamente por ter aparecido na minha vida. Sem ele nunca teria conseguido chegar a ti.
A espera pelos vistos tinha sido mais que muita e mal sai do edifício A fui abordada pelo “brasileirinho”.
- Onde istáva você? Tava tudo tji esperando! Vai pra’ lá, pra’ junto deles! - disse-me em tom de despacho.
É claro que o despacho se devia à linda alemã, Sophie, sob a qual ele pendia o braço e da qual pretendia tentar a sorte e tirar um pouco mais do que apenas amizade. Foi então que os nervos se começaram a apoderar de mim. A verdade é que sempre fui uma pessoa muito tímida e, apesar de já conhecer o Telmo, o conhecimento acerca dos seus vizinhos era-me escasso. O meu coração desatou subitamente a emitir batidas frenéticas, cada vez mais rápidas e cada vez num espaço mais curto. Parecia que ia explodir de tantas borboletas que tinha no estômago. Porém, uma enorme luz vinda do nada ofuscou-me de tal forma que toda a possibilidade que tinha de contemplar os rostos desconhecidos fora por água abaixo. Neste caso, pela luz abaixo. Mas foi essa mesma luz que desencadeou em mim uma sucessão de passos até vos encontrar. Parecia a caminhada mais longa da minha vida. E para isso talvez eu até tivesse uma explicação mais que racional…emocional. Tenho de confessar que para mim, Verão sem conhecer pessoas novas não é propriamente o meu sinónimo desta estação. Sobretudo se dentro dessas pessoas novas não houver um possível candidato ao trono de “amigo especial”. Sempre adorei aquele jogo de conquistar e ser conquistada, admito. De uma forma tímida, mas que não impedia que esse fosse considerado o meu passatempo eleito desta época do ano.
Bem, prosseguindo… A verdade é que eu achei muita piada ao Telmo desde o momento em que o conheci, mas a nossa relação não passava de algo maternal. Havia sem dúvida um sentimento protector que eu tinha criado e que nos unia mais que nunca. Ele era sem dúvida o candidato mais indicado, mas sim ao trono de “um grande amigo”. Mas eu precisava de mais. Precisava de me sentir desejada. E de uma certa forma, foi a excessiva expectativa em redor dos vizinhos que acabou por tornar o meu processo digestivo o mais rápido de sempre.
A luz começou a desvanecer enternecedoramente e os meus olhos prenderam-se aos teus. Ainda me consigo lembrar das vossas posições… Todos sentados de pernas à chinês… O Telmo do meu lado esquerdo, o André mesmo na minha frente e, do meu lado direito, lá estavas tu. Inclinei-me em direcção ao chão para cumprimentar o Telmo e o André, mas quando chegou a tua vez tu surpreendeste-me com esse teu cavalheirismo. Foste o único capaz de se levantar perante a presença de uma figura feminina. Naquele momento juro-te que tinha a certeza que tudo parou. Parámos nós, o brasileirinho, as risadas, os pássaros, as folhas, o mar… O tempo parou para nós e nós parámos completamente no tempo. Não te consigo descrever a sensação que tive na altura… Senti que o meu desejo tinha sido cumprido e ao mesmo tempo asfixiada pela forma como os teus olhos se encaixaram nos meus. Acredita que naquele momento morri quando me apercebi da nitidez com que eu consegui vislumbrar os meus sentimentos por ti. Num só olhar foste capaz de deitar abaixo metade do meu jogo de sedução e prender-me a ti com o desejo de nunca mais me soltar. Aquilo foi sem dúvida o meu primeiro grande amor, e sem dúvida à primeira vista.
- Inês, estes são o André e o Leitão (deixa-me tratar pelo apelido). – foi a única coisa que eu passei a ouvir lentamente ressoar dentro do meu ouvido, como se tivesse acabado de acordar de um sono profundo. E eu queria era verdadeiramente nunca mais acordar. Um “olá” tímido e um sorriso totalmente rasgado, foram as primeiras coisas de muitas que recebi de ti.
Já saída do meu estado de “anestesia” lembro-me de ter perguntado pela Nani, a menina linda de cabelos loiros e olhos azuis, para fazer companhia à minha pequenita.
- Ela não está. Ficou no apartamento. Mas anda, eu vou buscá-la contigo. – consegui notar logo aí um sotaque que me arrebatou o coração. E eu, derretida e inocentemente perdida, não pude de nenhum modo recusar.
Pelo caminho as perguntas foram as esperadas e as necessárias para quebrar o silêncio. “Que idade tens? És de onde?”… As tuas respostas: dezassete anos, Póvoa do Varzim. Póvoa do Varzim? Acho que naquele momento nem eu me apercebera que aquela terra ditava um obstáculo para mim, para ti, para nós. Para mim, essa terra estava tão distante naquele momento quanto eu do mundo real. Foi tudo tão perfeito, tudo tão estranhamente enquadrado... De repente…
- Inês, vem para casa. Amanhã levantamo-nos cedo. – chamou a Sra. Idalina.E lá tive eu que colocar os pés em terra mais uma vez.
Nem me pude sequer despedir, dar-te um beijo de boa-noite. Eu tinha acabado de ficar loucamente apaixonada por um estranho, e a única coisa que eu queria naquele momento era entregar-me aos lençóis e esperar que o amanhã chegasse. Assim eu saberia que não tinha nunca idealizado aquele sonho.