domingo, 13 de setembro de 2009

O começo - Parte II


Por entre as persianas de madeira, velhas e gastas, o primeiro raio de sol veio interromper a minha noite de sono profundo. Pela primeira vez na vida acordava a sentir algo de novo e incerto dentro de mim. Algo que gritava deliberadamente por brotar… Algo que balbuciava no toque extremamente delicado por sair. Pela primeira vez na vida eu sentia-me confusa por dentro e nua por fora. Tinha acabado de ter uma noite repleta de pensamentos impuros e, agora que havia despertado, não sabia se o “tu existires” era certo, nem tão pouco se me deveria sentir culpada por isso.
Ainda coberta pelos lençóis com cheirinho a lavanda, foi então que olhei para o meu lado direito vislumbrando o telemóvel que tremia impacientemente, como que um louco a meio de um colapso. Lembro-me de sentir um repentino calafrio a correr-me na espinha, mas rapidamente percebi o porquê. No ecrã podia-se ler a olhos abertos “mensagem recebia de ***** Leitão”.
Oh meu Deus! Eu nem queria acreditar. Afinal o meu sonho não era pura ficção. Não. Tu existias de verdade, eras real e acabavas agora mesmo de me mandar uma mensagem. Nunca pensei vir a dizer isto mas, naquele momento, posso garantir-te que tive um autêntico ataque de histeria, digno de uma pita no seu puro estado de adolescência. O meu índice racional naquele momento era tão baixo que acredita… Senti-me a miúda mais ridícula à face da terra ao perceber que a excitação me fizera cair redondinha em direcção ao chão. Sim, podes dizê-lo… Totalmente ridícula. Mas sabes que mais? Não me importo que o digas. Ao menos eu tinha uma desculpa sincera e credível pronta a usar. Caso não te lembres, eu AINDA era a menina virgem de 13 anos, integralmente pura e secretamente tentada pela perdição. Mas claro, com certeza não te lembras. Afinal, eramos apenas dois jovens…cegos e deixados levar pela sede descabida da paixão. Quem nos poderia condenar por isso?...
Sabes… É realmente impressionante ver como grandes histórias como a nossa têm princípios tão pequenos e surpreendentes como estes: o poder extasiante de um olhar, a arte arrebatadora de uma conversa, a sensação reconfortante de uma simples e peculiar mensagem. Quem diria…
Naquela semana que se seguiu, deixa-me que te diga, eu não sabia mesmo se o mais indicado não seria escrever uma carta à família e aos amigos a relatar o meu desaparecimento do mundo. Eu não estava ali! Para mim aquilo não devia passar de um sonho, de um filme, ficção…sei lá! Não podem existir de facto palavras para descrever a intensidade com que eu vivi cada momento único daqueles seis dias. Não pode haver. Não podem.
Meu Deus, se vocês pudessem ver a minha figura neste momento … Acho que se iriam rir para não chorar. E mais… Acho ainda que se iriam perguntar decerto o porquê. O porquê desta torrente de lágrimas que me corre lentamente em direcção ao peito, apunhalando-o. “Porquê?”, pergunto agora eu. Porque é que choro desesperadamente se esta não é ou não foi aquela história de amor pela qual toda nós, um dia, tivemos a esperança de passar? A história de amor que observámos no grande ecrã enquanto segurámos o lenço de papel nas mãos para acudir os olhos que não podiam aguentar de tão secos que se encontravam na altura? Eu até vos tentava explicar, mas sabem… É incrivelmente difícil arranjar uma explicação suficientemente transparente para um sofrimento assim como este. Principalmente quando se trata de algo que, supostamente, deveria esboçar em nós o maior sorriso do mundo.
Agora que penso, talvez seja mesmo essa a explicação mais óbvia. Sim, acho que a acabo de encontrar. Vocês riem para não chorarem e eu choro, para que não me permita a mim mesma rir. Não. Não sou nenhuma masoquista como vocês estão a pensar. Não é isso. A resposta está na única diferença que existe entre nós. E a diferença, perguntam-se vocês, é esta: vocês riem-se porque através das palavras conseguem projectar-se para o mundo dos sonhos. Fecham os olhos e transportam-se por um momento para o papel principal da história, vivendo e saboreando por uma vez na vida um amor com o vosso príncipe encantado. Agora eu… Eu já não me posso dar a esse luxo. E sabem porquê? Porque isso tiraria todo o sentido a esta dor que carrego em mim. Porque isso levaria para longe o principal motivo de eu estar aqui hoje a escrever. Se me risse como vocês, isso significaria que eu ainda me estaria a projectar num sonho. Mas a verdade é que eu já o vivi! E por isso mesmo é que choro. Choro porque sei que não o voltarei a viver nunca mais. Choro porque já perdi a esperança de voltar a idealizar um sonho desses outra vez. Choro…porque sei que a única coisa que me resta para amar são as recordações. Se um dia conseguirem concretizar esse sonho, então aí acreditem… Vocês vão ser finalmente capazes de me compreender.

TU. Tu, meu amor, foste capaz de fazer estremecer o meu mundo e virar a minha vida completamente de pernas para o ar. Tu, tu e somente tu foste o culpado de me ter apaixonado por uma alma que pertencia ao desconhecido e de me ter acorrentado para sempre a ela. E sim, tu… Tu foste o único e grande cúmplice deste crime onde compactuámos tu eu, juntos, num só. Criminosos, sim, é aquilo que nós somos. E a nossa pena, essa!...não poderia ser mais pesada. Eu pago todos os dias por esse crime que cometemos no verão de 2006 e, acredita, as correntes das lembranças são cada vez mais difíceis de suportar. Todos os dias, sem excepção, eu pago a minha pena e recordo-me daqueles seis dias em que te conheci. Aqueles seis miseráveis dias em que me perdi loucamente com a esperança de me deixar encontrarem. E as coisas que eu senti! Meu Deus… Tu não tens mesmo noção da gravidade daquilo que criámos, pois não?
Foi numa semana. Numa semana apenas que foste capaz de criar em mim sentimentos que eu julgava adormecidos. Sentimentos cuja existência eu esperei meticulosamente durante semanas, meses, até mesmo anos para poder sentir o prazer de os saborear pela primeira vez. Fizeste de mim a tua tela e nela tomaste a liberdade de pintar os sentimentos que eu mais temia: A paixão. O ciúme. A culpa. A saudade. Mas e agora? De que me serve ter a paixão, se o artista que a pintou não esta comigo para cair nos seus braços e deixar-me abraçar? De que me serve ter o ciúme, se já não tenho as tuas palavras para me consolar? De que me serve ter a saudade, se sei que já não vou poder voltar a correr para os teus braços para as matar? De que me serve ter a culpa, se a única coisa que eu tinha para me culpar já não a tenho?
Lembranças meu amor. Lembranças, parece que foi tudo aquilo que foste capaz de me deixar. Pois ouve agora isto… Tens coragem suficiente para relembrar? À três anos atrás eu tive a oportunidade de viver a maior emboscada da minha vida. À três anos atrás eu fui apanhada nas redes daquilo a que se pode chamar “amor à primeira vista”. E sim, à três anos atrás eu vivi aquilo a que eu vou poder chamar eternamente de “o verão da minha vida”. Podia-te culpar por tudo isso, mas sabes… Em vez disso acho que te prefiro agradecer.
Obrigada do fundo do meu coração. Se não tivesses aparecido naquele dia na minha vida, eu não saberia nunca o verdadeiro significado da palavra “amar”. Obrigada por me teres feito rir. Obrigada por me teres feito chorar. Por me teres feito crescer, mudar e acreditar que, na vida, tudo é possível. Sabes, contigo eu aprendi uma grande lição. Não interessa a quantidade nem a forma como o fazemos. Não interessa os obstáculos que se coloquem nem as desilusões que é capaz de provocar. Para amar basta viver, basta acreditar. Se não acreditam em mais nada neste mundo então acreditem nisto… Quem nunca amou verdadeiramente então é porque nunca viveu de verdade.
Por tudo isto, OBRIGADA. Graças a ti e graças àquele verão eu vou poder levar sempre na mente a lembrança de como um dia eu fui feliz. É graças a ti que eu me vou poder lembrar sempre das noites em que pegávamos na guitarra e cantávamos todos juntos espalhando a melodia ao vento. Graças a ti, vou-me lembrar do papel importante que tive ao tentar comunicar inglês dentro do mundo alemão. Graças a ti, vou poder recordar o ciúme que senti ao ver outras desconhecidas caídas aos teus pés. Graças a ti, vou lembrar-me da maneira como me tocaste e me trataste sempre de forma especial. A maneira como fizeste troça de mim e ainda a maneira como fizeste questão de esperar pelo meu “parabéns” para que pudesses ir deitar. A maneira como te ressentiste na noite em que eu fugi por perceber que te ias declarar. A maneira peculiar como tiraste a tua camisola a meio daquele jogo de futebol e me fizeste petrificar, de olhos abertos pousados em ti. Se este era o teu grande objectivo de vida então parabéns, concretizaste-o. Eu nunca, mas nunca me vou conseguir esquecer daquele verão que eu vivi um dia. E sabes do que é que eu não me vou esquecer nunca mesmo? Da despedida…
Em seis dias não nos declarámos, não nos beijamos…”não” nada. Mas sabes, nem foi preciso. Porque ao final daqueles seis soberbos dias eu saía dali pelo menos com duas certezas no bolso: que aquela era a minha derradeira paixão e que tu… Tu eras o homem da minha vida.

Mas nem eu sonhava com o rumo que a nossa história iria tomar. Muito menos com a partida que o destino fez promessas de nos pegar.